quinta-feira, 27 de maio de 2010

Os Sete Estágios da Ação, segundo Donald Norman, aplicados ao Sistema de Ventilação do modelo básico do Celta Life


Resumo

O sistema de ventilação de um veículo de passeio popular, que não possui acessórios que auxiliem a visibilidade em dia de chuva, foi escolhido como o produto para ilustrar os sete estágios da ação de Donald Norman (2006). Os resultados encontrados definiram que alguns acessórios para veículos deveriam se tornar
itens obrigatórios.

Palavras-chaves: usabilidade, estágios, interagentes, usuário, ventilação


Introdução

A partir das ações executadas no sistema de ventilação de um veículo popular, cujo modelo escolhido será descrito no decorrer do trabalho, cada um dos sete estágios (NORMAN, 2006) da ação utilizada para melhorar a visibilidade na direção do carro, em um dia de chuva, foi detalhado neste artigo. Consideraram-se, para analisar os resultados, os princípios e metas de usabilidade, segundo Norman, 2006 e Preece et al, 2005, e a listagem dos interagentes do produto.


Conceitualização

De acordo com Preece et al (2005), são metas de usabilidade de um sistema: ser eficaz, ser eficiente, ser seguro, ter boa utilidade, ser fácil de aprender e ser fácil de lembrar.

Ainda segundo Preece et al (2005), são metas do sistema decorrentes da experiência do usuário: possuir boa estética, ser compensador, adequado, satisfatório, agradável, divertido, interessante, útil e motivador.

Podemos citar os seguintes princípios de usabilidade, segundo Preece et al (2005, p. 42-47):

- visibilidade: quanto mais visíveis forem as funções, mais os usuários saberão como proceder. (...)

- feedback: se refere ao retorno de informações a respeito de que ação foi feita e do que foi realizado, permitindo à pessoa continuar a atividade. (...)

- restrição: refere-se à determinação da forma de delimitar o tipo de interação que pode ocorrer em um determinado momento. (...)

- consistência: interfaces contendo operações e elementos semelhantes para a realização de tarefas similares. (...)

- mapeamento: refere-se à relação entre os controles e seus efeitos no mundo. (...)

- affordance: é um termo utilizado para se referir ao atributo de um objeto que permite à pessoas saber como utilizá-lo.

Este trabalho utiliza os conceitos dos sete estágios da ação de Norman (2006) aplicado a um sistema interativo definido, centrado em uma ação escolhida. Foi definida a meta desta ação, sua execução e a avaliação desta execução. Os sete estágios compreendem: “formalizar a meta, formalizar a intenção, especificar a ação, executar a ação, ter a percepção do estado do mundo, interpretar o estado do mundo e avaliar o resultado” (NORMAN, 2006, p. 73).

Para cumprir o objetivo deste artigo, houve a necessidade de definir os interagentes, que são “as coisas ou pessoas que se relacionam, através de ação e reação, em um ambiente, onde ocorre a interação. Este ambiente também influencia no sistema” (notas de aula, ALVES e DRUMOND, 2010).


Desenvolvimento

Como já foi citado anteriormente, para ilustrar os sete estágios da ação (NORMAN, 2005, p. 71-80), foi necessário escolher um produto, que é o sistema de ventilação do veículo Celta Life, da Chevrolet. Este veículo, modelo básico, duas portas e motor 1.0, não possui desembaçador e limpador para o vidro traseiro, ar quente ou ar condicionado (carros produzidos entre 2005 e 2010).


Os interagentes

Para prosseguir na pesquisa, a definição dos interagentes envolvidos no projeto também foi necessária:

Produto: sistema de ventilação do painel frontal de um veículo da marca Chevrolet, modelo Celta Life, motor 1.0, duas portas, básico.

Usuários: motoristas do veículo. Em geral, pessoas que buscam um carro popular, pequeno e econômico, que o utilizam mais dentro da cidade, que fazem viagens curtas e que não se preocupam muito com o conforto.

Características do produto (ver figuras 1 e 2 e quadros 1 e 2): não possui desembaçador traseiro, ar quente ou condicionado. Tem dois interruptores giratórios: um de rotação ou velocidade (com as posições: ventilador desligado, 1, 2 e 3) e um de posição (com as opções: cabeça, cabeça e pés, pés, pés e desembaçamento de pára-brisa e somente desembaçamento de pára-brisa). Possui quatro saídas de ar, no formato redondo, com opção para direcionamento do ar: duas no centro e duas nas laterais do painel.

Ambiente: a interação ocorre dentro do veículo, entre o usuário (motorista) e o sistema de ventilação. Na situação escolhida, o carro está em movimento (o usuário está dirigindo) e considera-se um período de chuva.

Ações relacionadas à direção no ambiente especificado: manuseio do volante, dos pedais, ajuste dos espelhos retrovisores, ajuste do banco.

Ações relacionadas à segurança no ambiente especificado: redução da velocidade, desembaçamento dos vidros (uso do sistema de ventilação), colocação do cinto de segurança.

Ação escolhida para estudo neste artigo: uso do sistema de ventilação.

O objetivo intrínseco da análise é a direção do veículo especificado, de forma segura, em dia de chuva. Para conseguir atingir esta “forma segura” de direção, utilizou-se o sistema de ventilação para auxiliar a visibilidade do motorista.

Figuras 1 e 2: Painel e parte da cabine de Celta Life 1.0, com indicações do sistema de ventilação.
Foto: Sílvia Fonseca / Abril de 2010



Detalhando os sete estágios da ação “uso do sistema de ventilação”, segundo Norman

Meta: ao dirigir um veículo (sem desembaçador e limpador para o vidro traseiro, sem ar quente e sem ar condicionado), em um dia de chuva, melhorar a visibilidade do motorista através dos vidros do carro.

Intenção: procurar recursos diferentes dos não existentes para que os vidros do carro não se embacem demais, melhorando a visibilidade na direção, evitando, assim, um acidente.

Sequência de ações: reduzir a umidade interna, aumentar a circulação interna de ar ou a ventilação, evitar o embaçamento excessivo dos vidros laterais, frontal e traseiro.

Execução das ações: abrir ligeiramente os vidros da frente (deixando uma pequena “fresta” de cada lado para a entrada de ar) e ligar o sistema de ventilação, regulando a velocidade da ventilação, o modo e as quatro saídas.

A lacuna de execução: “as ações fornecidas pelo sistema correspondem às ações pretendidas pela pessoa?” (NORMAN, 2006, p. 77)

Resposta: no caso da abertura dos vidros, sim. Porém, somente este procedimento não auxiliou totalmente a circulação de ar. Foi necessário, também, direcionar as duas saídas laterais do sistema de ventilação para estes vidros. No caso de tentar fazer o sistema de ventilação ligar e regulá-lo, foi necessário observar os símbolos constantes nos dois interruptores giratórios do sistema de ventilação, que ficam no centro do painel. Com isso, regulou-se a ventilação para a rotação máxima (3) e posicionou-se no modo “desembaçamento do pára-brisa”. Verificou-se que, para substituir a inexistência de um desembaçador traseiro, foi necessário direcionar adequadamente as duas saídas centrais do sistema de ventilação para o vidro traseiro.

Até se chegar a estas conclusões, foram feitas diversas combinações entre os interruptores e as saídas de ar. Ou seja, um processo de tentativa e erro foi utilizado.

Percepção do estado do mundo: a umidade interna foi reduzida, porém não totalmente eliminada. A circulação de ar aumentou e o embaçamento dos vidros foi reduzido, no entanto, também, não foi totalmente eliminado.

Interpretação do estado do mundo: foi possível prosseguir com a direção de forma quase segura, ou seja, o risco não foi totalmente eliminado, pois enquanto se realizava a sequência de ações, o carro estava em movimento. Houve visibilidade para a direção do veículo, apesar da não eliminação total do embaçamento e da umidade internas, do desconforto, do cansaço e da demora em resolver o problema.

Avaliação do resultado/das interpretações: para realizar a quantidades de ações especificadas, foi necessário tomar mais cuidados ao dirigir o veículo, pois, além da direção propriamente dita, o usuário teve que atender à outras ações, o que o obrigou, muitas vezes, a desviar a atenção da direção, a tirar uma das mãos do volante, a reduzir a velocidade do veículo ou a aguardar para parar em algum semáforo para executar algumas das ações. Numa situação mais extrema, ou seja, num período de chuva muito forte, o usuário teria que ser levado até a estacionar o veículo para realizar toda a sequência de ações apresentada.

Alguns ruídos do ambiente interferiram negativamente para distrair a atenção do usuário na sua função do condutor: ao abrir ligeiramente os vidros da frente, o que auxiliou na circulação interna de ar, houve também a entrada da água da chuva, molhando a parte interna do veículo e o próprio condutor; ao acionar o sistema de ventilação, foi necessário colocá-lo na velocidade máxima, o que resultou em um som desagradável; ao direcionar todas as duas saídas centrais para o vidro traseiro, o fluxo de ar ficou maior em direção ao usuário, o que provocou a desagradável sensação de frio. Foi necessário, ainda, passar um pano limpo no vidro da frente, internamente, para reduzir mais a umidade, pois apenas a direção do ar direcionada para o pára-brisa (posicionamento do interruptor giratório direito no modo "desembaçamento do pára-brisa") não resolveu o problema.

A lacuna de avaliação: “o sistema oferece uma representação física que possa ser percebida facilmente e seja imediatamente interpretável em termos de intenções e expectativas da pessoa?” (NORMAN, 2006, p. 77)

Resposta: o sistema ofereceu representações físicas que não foram percebidas facilmente pelo usuário ou imediatamente interpretáveis, pois o sistema não portava de certos itens que resolveriam melhor o problema. Foi necessário um conjunto de ações para tentar substituir alguns itens essenciais que seriam mais rapidamente executados. Este tipo de substituição acarretou em outros tipos de problemas que chegaram a interferir no tempo de realização do processo ou atingiu-se parcialmente a meta.


Resultados

As lacunas encontradas se deram exclusivamente com relação à demora em resolver o problema. Isto refletiu nos princípios da usabilidade do produto. Como o número de tarefas para se atingir o objetivo final foi grande, o retorno das informações se tornava ligeiramente atrasado, ou seja, o feedback foi prejudicado. Segundo Norman (2006, p.79), no princípio do feedback, “o usuário recebe pleno e contínuo retorno de informações sobre o resultado das ações.”

Nem todos os motoristas conhecem os símbolos constantes no sistema de ventilação, apesar da consistência dos mesmos. O mapeamento da situação, para o usuário em questão foi bem resolvido.

Analisando-se os resultados da interação e a existência de lacunas de execução e de avaliação, pode-se perceber que a falta de certos acessórios compromete a segurança do usuário.

Comprovou-se que a tarefa de dirigir um carro sem ar condicionado ou ar quente, limpador e desembaçador do vidro traseiro, torna as ações do usuário mais cansativas, inadequadas, desagradáveis, sem motivação e insatisfatórias, que seriam o oposto das metas da experiência do usuário. O conforto também foi prejudicado ao expor o condutor a se molhar ao abrir os vidros ligeiramente e a sentir frio ou se incomodar com o barulho muito alto do sistema de ventilação ligado no máximo.

Um sistema interativo como o demonstrado, em termos de usabilidade, se mostrou ineficiente, com pouca segurança e ligeiramente difícil de aprender (pois utilizou-se tentativa e erro, o que acarretou em demora para atingir a meta da ação escolhida).


Conclusão

Para ilustrar os sete estágios da ação segundo Donald Norman (2006, p. 71-79), partiu-se do ato de dirigir um veículo. Resolveu-se restringir mais o sistema interativo deste ato para as ações executadas em um veículo popular específico, o Celta Life – modelo básico – da marca Chevrolet. Filtrando mais ainda o sistema, chegou-se ao uso do sistema de ventilação do veículo citado em um dia de chuva. Como o modelo básico não possui ar quente, ar condicionado e nem desembaçador ou limpador traseiro, foram determinados os passos para tornar segura a direção do carro, sem comprometer a visibilidade através do desembaçamento e da retirada da umidade interna do veículo. Assim, as definições dos estágios da ação escolhida e suas análises e resultados comprovaram que a inexistência de certos acessórios ou opcionais em veículos de passeio comprometem a segurança e o conforto do usuário.

Há um projeto de lei (PL-4979/2009) que “inclui dispositivo destinado a desembaçar o vidro traseiro como equipamento obrigatório dos veículos”. Porém, ainda está em tramitação na Câmara dos deputados. E não há nada relativo ao ar quente ou ao limpador traseiro. A inexistência de certos acessórios ou itens determinados como opcionais pelos fabricantes poderia ser reestudada pelo CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), pois comprometem a segurança do condutor do veículo.


Referências Bibliográficas

NORMAN, Donald A.; trad. Ana Deiró. O design do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

PREECE, Jennifer; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen; trad. Viviane Possamai. Design de Interação: além da
interação homem-computador. Porto Alegre: Bookman, 2005. Cap.1.

ALVES, Leandro.; DRUMOND, Karine. Notas de aula. O que é design de interação e interagentes. Instituto de

Educação Continuada da PUC Minas. Curso de Especialização em Design de Interação. Belo Horizonte. Março e abril de 2010.
Automatik – transmissão automática e manutenção definitiva. Guia das luzes do painel do carro, entenda para que

servem.
Disponível na internet: http://automatik.com.br/site/luzes-espia.asp. Acesso em maio/2010.
Ministério das Cidades. Denatran – Departamento Nacional de Trânsito. Resoluções do Conatran (Conselho Nacional de Trânsito). Disponível na internet: http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm. Acesso em abril de 2010.
General Motors do Brasil Ltda. Manual do Proprietário do Celta, 2010. Disponível na internet: http://www.novoservicochevrolet.com.br/site/manuais-dos-veiculos/. Acesso em maio/2010. Seções 6-20 a 6-27.


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